terça-feira, 23 de junho de 2009

O Racismo camuflado, mas cruel, no Brasil

Neste momento em que se discute se seria necessário impor cotas para modelos negras e negros nos desfiles de moda, torna-se novamente atual (embora nunca tenha deixado de ser) o debate sobre as relações raciais no Brasil. Um debate, paradoxalmente, abafado pela absurda idéia de que o racismo inexiste no País, por mais que todos os indicadores provem o contrário. A falsa idéia de democracia racial é a maior adversária da luta contra o racismo no Brasil. Infelizmente, até alguns negros se equivocam ao analisar esta questão.

No Brasil e nos EUA, mas muito mais aqui do que lá, vez por outra surge alguma liderança intelectual ou social negra a se opor a políticas afirmativas ou de compensação, como as cotas. Recentemente tivemos um caso de um líder negro no Brasil atacando o sistema de cotas raciais. Para ele, seria necessário adotar uma cota social, para os pobres em geral, mas sem especificar o benefício aos negros ou a qualquer outra minoria ou grupo.

Este é o tipo de argumento que parece correto. Mas só parece. No fundo, esta argumentação simplesmente nega a existência do racismo. Por esta visão, o que existiria é o preconceito social, a injustiça social, que penalizaria igualmente brancos e negros. Logo, não existiria racismo! Mas esta não é a realidade dos fatos. Pesquisas mostram que, quando se faz política social para os pobres em geral, os brancos pobres se beneficiam mais. È duro admitir. Mas a desigualdade não existe apenas entre ricos e pobres, mas também dentro das classes e grupos sociais.

Ricos brancos são muito mais numerosos e ricos do que ricos negros. A classe média branca é mais opulenta e numerosa do que a negra. E, por fim, os pobres brancos vivem “menos mal” do que os negros: possuem melhor escolaridade, melhor estrutura familiar (dificilmente se encontra uma família branca em que todos são pobres, mas entre negros isto é comum) e sofrem menor taxa de desemprego. Entre dois pobres desempregados com igual preparo, o branco tende a encontrar emprego mais rápido do que o negro. Por todas estas diferenças, quando se aplica uma política geral, o pobre branco se beneficia mais e primeiro, e ascende de classe social antes do negro.

Outro argumento falacioso: no Brasil seria impossível distinguir brancos e negros porque aqui seria diferente dos EUA, aqui haveria muita mistura racial. Mentira. Há muitos mestiços, mulatos, tanto aqui quanto nos EUA. Barak Obama, 50% negro e 50% branco, esta aí para provar. O ex-secretário Collin Powell era mulato, assim como o são Prince e Beyoncé, para ficar nos exemplos de famosos. A diferença é que nos EUA considera-se como negro qualquer pessoa que tenha ascendentes africanos, enquanto no Brasil as pessoas tendem a se “branquear” socialmente, escondendo a herança genética africana depois que alguma mistura racial aproxima a cor da pele mais do europeu. Mas no fundo não há diferença relevante neste ponto.

A maior diferença, isto sim, é que nos EUA existe, mais do que no Brasil, o racismo ideológico e violento, como o patrocinado pela KKK. O paradoxal, porém, é que este racismo violento insta (motiva, até) o negro americano a lutar mais vivamente por seus direitos. No Brasil, menos por culpa dos negros e mais por culpa da idéia equivocada da “democracia racial”, muitos negros se sentem envergonhados em lutar por seus direitos. Não deveriam. Os negros não devem ser oportunistas, mas também não devem perder de mente que, entre todos os povos que formaram o Brasil, foram o único que veio para cá por obrigação, e não voluntariamente. Os imigrantes brancos, ainda que pobres, chegaram aqui livres.

Outro falso argumento: pela mistura de raças, é muito difícil identificar quem é realmente negro e merece as cotas. A prática resolve esta questão. Afinal, os racistas brasileiros, ainda que camuflados, sabem muito bem diferenciar. Sabem muito bem discriminar o que é um negro na hora de negar-lhe oportunidades.

Um exemplo impagável de racismo “camuflado”, só para avivar a memória. A TV Globo produziu anos atrás uma mini-serie ambientada na Bahia, baseada em livro de Jorge Amado (Mar Morto) quase que sem atores negros. Quem conhece o litoral baiano e suas comunidades de pescadores, que inspiraram o romance do grande Jorge, sabe que a maioria esmagadora da população nesta região é formada de negros. Explicação da emissora: não haveria atores negros em número suficiente. Um argumento ridículo, como puderam na prática demonstrar os produtores do filme Cidade de Deus, que produziram um dos melhores filmes brasileiros da história utilizando predominantemente atores negros e mulatos, os quais deram um show de interpretação.